sexta-feira, novembro 30, 2007

O palco, a vida e a realidade

A partir de agora o sol tem outro sentido.

A lua traz também, não só seu fascínio místico, mas também sua clareza.

Os laços agora começam a ser desvendados.

As mãos buscam os bolsos à procura das chaves, que abrirão algumas portas.

O espelho distorce a imagem, mas não altera o verdadeiro rosto.

A expressão já não é mais de angústia e incerteza.

O café já foi passado, e a casa agora respira seu aroma.

O cachorro esquenta meu pé com sua cabeça pesada, porém meiga.

Mas há mais abismos entre o outro (pessoas, universo, etc) e minha pessoa, agora entendo o outro, e seu que ele não me pertence, e que em qualquer momento este ou aquele irá embora, e com ele tudo que fizemos juntos.


Aliás, o que me pertence? O que nos pertence?

O que existiu naquele momento foi nosso. Único, intenso, desesperador, angustiante, porém nosso.

O passado existiu, o futuro quem sabe existirá, mas existimos no presente momento, isso é o que importa.

Cada dia rompemos com o mundo e todos suas coisas, decretamos vários lutos dia após dia, para como a Fênix, ressurgir quem sabe das cinzas.

O ser que carrega (ou por algum motivo prorroga) a dor e a realidade, um dia prestará contas do Eu para seu próprio Eu.



Então, toda representação do Eu, o palco, as luzes, e as máscaras não representarão nada mais, e o espelho precisará ser quebrado, e lá na platéia alguém sentado, no meio do espetáculo, gritará pode descer, “pois espetáculo de Domingo quem paga é a segunda feira” Vanzolini

Bom fim de semana

Abraços

segunda-feira, novembro 26, 2007

Carta de navegação: APORTADO


Açoitado pelas extensas tiras do tempo, como desencontros e desamores, meio que pirateando em mares de relações, fui levado à deriva.
Dúvidas pairaram como nuvens, tampando qualquer saída, comecei a viver ciclos mal contados e intermináveis, consumido em séculos, como se a distância fosse medida por milhas. O tempo fez sua parte. Meu ser se cansou, pesado ficou, senti uma necessidade imensa de me esvaziar, minha nau sem rumo e perdida se debateu contra todas as possibilidades de se manter estática. Minha alma, minha essência era presa fácil para carniceiros como dor e desilusão. Sabia que precisava resistir, pois a esperança ainda circundava minha nau. Como um herói, suportava em eternos minutos meridianos todas provações. Mesmo com tantas aflições me sentia vazio, como estar completo de sentimentos e se sentir oco?Como pode o vácuo apetecer de si mesmo para se completar? Talvez não seja, realmente, a consciência de se ter este vazio que me perturbe, mas sim a falta de algo que não tenho.
Não me pergunte quanto tempo durou, não faz muita diferença. Precisava, e sabia que além das tormentas, encontraria terra firme, uma hora, mais cedo ou mais tarde seria norteado pra isso, mas como? Será que só minha intuição como bússola seria o suficiente? Ela me conduziria? Creio que não, era necessário que algo como mágica, com poderes sobrenaturais, viesse ao meu socorro. A supremacia estendeu seu olhar sobre mim e como brisa leve, como um ser alado que freneticamente adeja numa atmosfera azul onde a vista avista o fim do horizonte.
Atraído pela luz e presenteado com seu reflexo, um ponto em meio à visão panorâmica, como seta para o alvo me encaminho para a referência, da pra ver de longe a benevolência das águas que a circundam, a calmaria que apresenta suas orlas, posso sentir a brisa entrelaçada com a maresia rasgando num sorriso de oeste a leste, minha euforia se desenha como a algazarra de vários pássaros ao amanhecer mais um dia. Meus olhos transmitem ao meu cérebro, que finalmente o mapa me levou ao tesouro e que toda ordem e fluxo internos serão alterados; de imediato sinto as palpitações cardíacas aumentarem, a respiração quase falta, o tremor como sinal de alerta e a transpiração jorra como se estivessem lavando minha alma. Como num ritual balsâmico sinto-me completado e renovado, pronto para procurar ancoradouro. Lanço minha nau num espelho de águas calmas, ouço apenas o som da proa cortando águas, como guilhotina. Deixo a nau deslizar como numa rampa e não há outro destino a não ser o porto, sim, um porto seguro! Nesse momento, apenas contemplo o livramento dos acoites para glória do arrebatamento.
Aportei!

Para Maura.


José Alencar

(Um grande amigo, que dividiu comigo estas letras, e que agora apresento a vocês. Nilson Ares)

terça-feira, novembro 20, 2007


Agradeço pelo pão com ovo, pelo banho de chuva, pelo amor sufocado, pelo coito interrompido, pelo pelo na sopa, pela mão na bunda, pelo amargo da lingua, pela falsidade no mundo, pelo grito contido, pelo injúria, pelo osso no prato, pela ausência da dor, pela existência da cabeça, pelo adorno no pescoço, pelo choro falso, pelo cadáver exposto, pela punheta para a vizinha, pelas torres gêmeas, pela Doroty Stein, pelo pataxó, pelo ponto de ônibus, pelo Osmarino Amâncio, pelo Chico Xavier, pela vida vivida, pela educação presente, pelo bom dia sorridente, pela saúde de Saramago, pela solidão do Gabo, pelo Estorvo do Chico, pela estrela do Rui, pelas viúvas mal amadas do Nelson, pelo último gol, pela última trave, pelo raspão, pelo quase, pelo já foi, pelo acabou de sair, pelos tolos, pelos mesquinhos, pelos sábios, pelas vaginas úmidas, pela espinha ereta, pela boca depravada, pelo língua de sogra, pela azeitona, pela semente...


E Deus criou o Homem.