quarta-feira, agosto 24, 2011

poema e sequência de haicais

Naquela época

minha voz te acalmava

Eu cruzava a porta

você me abraçava

Nossas mentes e almas

Andavam coladas

E tudo que vinha

A gente enfrentava

Foram tempos

de Gullar nossos gatos

De Caetanos cifrados

De João

ouvirmos calados

De tudo fez-se nada

em nosso pós carnaval

Dito assim solto

pelo MC Marechal

quando foi que achamos

Que esse dia chegaria afinal?



Triste fim esse nosso

Dois perdidos

Em meio aos destroços



Luz

Entra e

Escancara

a ausência



Um norte

Se tiver sorte


A paz

Se esconde

No horizonte



vida entrecortada

Pela luz enquadrada



Congelo fumaça

Num haicai

Sem graça



Gravo minha dor

Pelo obturador



Divido com você

O que devia esconder

segunda-feira, agosto 22, 2011

Quanto vale ou é por quilo?

Sempre gostei dos filmes niilistas.Mais este é de um niilismo ala sarcasmo maravilhoso. Crítica profundamente as estruturas da miséria deste país e como é usado pelas ONG´s distribuidas neste país. Creio que há muitas ONG´s honestas neste país,mais não conseguirei acreditar em uma fortemente ao não ser que tome conhecimento de perto. Sou horrível para contar filmes e por isso indico e para quem já assistiu aproveito para que possamos abrir uma boa discussão aqui.
Agora que parece uma continuação do cronicamente inviável , isto sim, parece. Mais realmente vale a pena.
PIK

sexta-feira, agosto 19, 2011

Existe uma lenda – que muitos aqui devem conhecer – de que existe uma passagem que liga São Tomé das Letras à Machu Picchu. Meu tio acredita nisso piamente, a ponto de dizer que o acesso a caverna onde existe tal portal foi fechado pela prefeitura para evitar a viagem e não por segurança. Não sei nem mesmo se existe tal caverna, e se realmente foi fechada pela prefeitura.

Toda essa introdução é apenas para tentar especular sobre um mecanismo humano que a mim intriga muito: a fé. Algo que pode parecer absurdo para uns é totalmente palpável para outros. A fé é a arte de acreditar na falta de evidências, como se essa própria sentença já não fosse um contra-senso.

Sem querer fazer juízo de valor ou chacota com quem quer que seja, me permito duvidar da divindade terraqueamente representada – não por habitar o corpo, mas por procuração – pelo Papa. E para que não pese sobre minhas pobres letras a carga de “ateu fervoroso” busco embasamento na dúvida, em parte tentando livrar minha barra de “direitoso”, de Leonardo Boff e Olavo de Carvalho, amén.

quinta-feira, agosto 18, 2011

Ol’Blue Eyes is Back



Dada a projeção de seu nome na impressa e no mercado editorial estadunidense, o jornalista mundialmente conhecido Gay Talese, ganhou notoriedade pelo que se convencionou chamar de new jornalism ou jornalismo literário, também representado por grandes nomes como Tom Wolf e Truman Capote.

Dentre as suas principais obras a que tive acesso nos últimos dias, está a cobertura de um fato aparentemente banal, dada sua trivialidade dentre as pessoas comuns, se não fosse por ter ocorrido com um ícone da industria do entretenimento e do show business norte americano.Gay Talese descreve magistralmente um resfriado que acometeu Frank Sinatra certa noite nos idos anos 60, transformando a banalidade desta efeméride no resfriado mais famoso da história.

Sua descrição minuciosa justaposta a uma narrativa literária descreve contornos que dão status à uma cobertura jornalística que teria tudo para se resumir a uma nota sem importância na imprensa escrita da época. Tais contornos dão conta de relacionar o resfriado de Sinatra com a sua excentricidade e seus relacionamentos tumultuados, com Nancy, Ava e Mia trinta anos mais nova do que ele, as suas oscilações de humor e a exploração de sua figura pública pelos mass mideas, sobretudo sobre sua relação com a máfia.

O resfriado de Sinatra minava sua auto-confiança, o irritava, e trazia problemas para todos que estavam ao seu lado. Mas seus reflexos iam ainda mais longe, Sinatra estava nas rádios, nas TV’s, shows e no cinema, praticamente dominava toda cadeia de produção da industria cultural norte americana, e no texto de Gay Talese, este resfriado representava para esta industria o mesmo que a doença do presidente dos EUA para a economia do país.

Sinatra era um fenômeno da economia nacional dos EUA, ele era uns dos poucos produtos pré guerra que conseguiu resistir àqueles anos e que embalou em suas canções o modo de vida dos americanos pós 2ª guerra, a sociedade de consumo norte americana, o ideal de liberdade, individualidade, de mulher, de conquistas materiais, de amor e paixões.

Leiam: Frank Sinatra Está Resfriado de Gay Talese.

terça-feira, agosto 09, 2011

Círculos (III final)

Eles chamavam aquilo de sumo.

O resto da cerveja que ficava no fundo da garrafa; quente.

Quando o copo descolou da sua boca, o gosto implacável como o vento:

Tristeza, fúria, frustração, cocaína.

Havia na toalha da mesa círculos molhados feitos pelo fundo do copo.

Até ali, ele sabia, as coisas eram ligadas. Tudo fazia sentido.

- Sou o dasmi.

- hã?

- dasmi, porra! Midas ao contrário. Sou isso aí. Tudo que eu toco fode.

O amigo coça a barba.

A luz do bar era amarela. Em cima da mesa um lustre de sisal.

- como assim?

- nunca quis prisão. Mas sempre fui preso. Queria fazer o que quisesse, até poderia se tivesse grana, mas a grana não te deixa fazer o que quiser. Ou até deixa e eu não sei como.

- ãrrã. (Único som que podia emitir sem que o amigo percebesse que não havia entendido nada.)

- deixa eu te contar uma coisa: estava voltando da praia. Era feriado lá e aproveitei pra vir pra casa. Muito trânsito, com ajuda da chuva e da penumbra. Meu estômago embrulhado tingia de cores ainda piores a situação. Aquela fila enorme com suas lanternas acesas pareciam pontas de cigarro. Os escapamentos - bocas jogando fumaça em mim. Paranóia. De longe eu vi um cara tentando cruzar a pista. Era incrível como as pessoas continuariam paradas, como estavam, se deixassem espaço para ele passar. Foram muitos minutos assim. Quando chegou minha vez deixei espaço entre o carro da frente e eu.

Era hora de mais um gole, mas não tinha.

- e aí?

- O trânsito ocupava só um sentido. O cara passou por mim, olhou no meu olho e acenou com a cabeça, me cumprimentando. Foi nessa hora o meu toque. Ele se esqueceu de olhar o outro lado. Vinha uma moto. Barulho de lenha queimando; o corpo no chão. De braços abertos como se abraçasse o mundo.

sexta-feira, agosto 05, 2011

Portão (II)

Ele via o outro lado da rua cortado por barras azuis e ainda dois punhos cerrados e dois antebraços vestidos em sua malha vermelha com 2 listras brancas.

Seus amigos já tinham ido.

Ele também já teria partido se hoje fosse um dia normal.

Não era.

A escola já estava vazia.

O frio era ainda maior por causa da chuva.

Sobravam ele e o segurança falando ao rádio.

Ele não gostava do segurança.

Ele sempre olhava sua mãe se agachar para pegá-lo.

- Nas raras vezes em que ela o pegava na escola.

Ele amava -

Por cima do ombro da sua mãe ele percebia.

E sempre com aquele sorriso esquisito.

Parou de fitar o homem e sentou no chão.

Abriu a lancheira, ele sabia!, estava vazia.

Mas ele também não estava com fome.

Queria apenas matar o tempo.

Sua medida era o escurecer.

A noite ainda não tinha chegado.

Mas dia já não parecia.

Foi então que encostou o carro do avô.

Ao lado dele a avó.

Os dois falavam ao telefone.

Não se lembrava do avô na escola.

Da avó sim.

Sempre ela.

Ele entrava no carro e ela o bombardeava de perguntas.

Ele gostava.

E só fazia uma: _ e minha mãe?

A avó dizia que estava em casa, esperando.

Naquele dia estava tudo diferente.

O avô desceu do carro, deixou a porta aberta e apoiou os cotovelos no teto.

Continuava ao telefone.

A avó ainda estava sentada no carro, mas de lado, com os pés apoiados no chão e com a porta encostada em sua canela.

Parecia estar descansando.

Ele não se mexia.

Depois de mais algum tempo naquela escala própria de horas a avó o pegou.

Percebeu que ela não queria olhá-lo.

Ela apenas encostou o seu rosto no ombro dela.

Bem devagar o colocou no banco traseiro.

O avô entrou no carro e apoiou a testa no volante enquanto dava a partida.

Já não estava mais com aquele aparelho na orelha.

Saíram sem trocar palavra.

Ele encostou a cabeça no pedaço de vidro que sua altura permitia.

Sentia a vibração e deixava que ela distorcesse sua visão.

Dali pra frente teria de se acostumar com aquilo.

terça-feira, agosto 02, 2011

Gosto amargo de filtro (I)

Era o último cigarro no trabalho.

Ela estava na rua enchendo os pulmões e aquele céu azul escuro, denso; avisava: chuva.

Fez questão de ir até o último trago.

Queimou até um pouco do filtro.

Não aguentava mais estar ali.

Naquele trabalho que não dizia nada sobre ela.

Passou o cigarro na parede e jogou no lixo.

Subiu.

Pegou sua bolsa, desligou o monitor e saiu correndo.

Sua capacidade de respirar naquele escritório era muito pequena.

Ganhou a rua.

Destravou o guidom, colocou o capacete e ligou o motor.

O amor dela por aquela moto era curioso.

Materialmente ela não valia quase nada.

Mas era a única coisa de que ela realmente dependia e que não lhe cobrava nada.

Era gasolina, faísca e punho.

Só.

Enquanto dirigia sem saber pra onde, o primeiro pingo.

Parar ou não?

Não.

A chuva apertou e os pingos também.

Os pingos eram maiores e numa quantidade incrível.

Já não era mais água, era agulha.

Naquela hora ela agradecera ao acaso por ter esquecido a blusa.

Na real, sentia-se bem com aquilo.

Algo na essência da dor era o que ela queria.

Acelerava cada vez mais.

Abriu a viseira.

Se deliciou com os pingos no rosto e nos olhos.

Foi a última coisa que viu.