terça-feira, maio 31, 2011

Amores Liquidos


Recomenda-se fortemente que após o desenlace de um romance, de um desfecho amoroso, um caso, um clássico pé na bunda, a pessoa que o desencadeou tome a providencia de deletar toda informação que sirva como prova em seu orkut, face book, celular, SMS etc..sobre tudo, para se resguardar o direito legítimo e inalienável de todo cidadão, de que ninguém é obrigado e gerar provas contra si mesmo.
Pieguismo virtual é esse de postar em sites de relacionamento, como identidade pessoal, a foto do casal juntos com um sorriso açucarado, já virou uma prática corrente na intenção de mostrar que um é também o outro, unidos numa só carne, na saúde e na tristeza, a individualidade foi pra cucuias, ambos se fundiram!
Neste caso, a pulada de cerca, tida como o esporte olímpico mais familiar que existe, haja vista, que atletas desta modalidae costumam ter até mais do que uma família, exige cada vez mais preparo físico, ou mesmo metafísico do praticante, que vez por outra se vê obrigado a mudar sua identidade no meio digital. Contrariando um principio ontológico, já que, o que é pode também não ser.
É o caso daquela afirmação: foi no meu login, mas não fui eu! Sem contar a pulada de cerca digital na calada da noite, com o laptop sentado no sofá com aquele ar despretensioso, ou mesmo uma suruba domingo a tarde em rede sem sair do aconchego da cadeira de balanço. Qualquer coisa, dá um ALT+TAB e muda de janela, afinal, é apenas uma recreação.
Ao tomar a antológica frase de Marx, tudo o que é sólido se desmancha no ar , Zygmunt Bauman lança seus estudos sobre a pósmodernidade e cunha o termo Modernidade Líquida, de lá pra cá, analisando as relações amorosas em nossa contemporaneidade escreveu o livro Amor Líquido, em que analisa essa interessante relação que o homem tem com uma mulher e vice-versa, eu particularmente tinha a impressão que sempre foi assim mas, agora, segundo Bauman, estamos bem mais individualistas, mesmo postando a foto do casal juntos.
Outro dia li em uma reportagem que um Juiz resolveu quebrar o “sigilo digital” de um individuo que foi morto pela sua amante de 18 anos de idade. Descobriram com quem ele falava, onde estacionou o carro pelo GPS, os vídeos que assistia no you tube, e pelas fotos, descobriram que além de não ser a sua única amante, a menina de 18 anos era mesmo muito gostosa. Tinha umas fotos dela no Concurso Racha Dourada – 2006.
Não sei se isso é um fenômeno unversal mas queria ver o Bauman tratando disso aqui, no Brasil, que este autor escrevesse uma História da Vida Privada no Brasil com especial foco neste tão nobre sentimento – o Amor. Queria vẽ-lo escrever na terra de Jorge Amado e Nelson Rodrigues, onde esses comportamentos desde sempre foram fluídos. Com o perdão da paráfrase, O Amor nos Tempos do Fluído, aí sim! Aqui, neste país que segundo Tim Maia traficante cheira, puta goza, gigolô se apaixona, e o dólar no paralelo é mais barato que no oficial. A história paralela do amor digital.

quinta-feira, maio 26, 2011

O velorio do Dylan

O velório do Dylan
Por Young buk
Ah, quanta magoa neste mundo vagabundo, quanta vontade de brigar, de intervir, de dizer algo contraditório, quanta vontade de ler um livro e acreditar que ele vai me trazer paz, alivio, normalidade, adequação. Quanta magoa do mundo vagabundo, embora lindo, cheiroso, liso, áspero, quente e frio. Quantos dias eu passei infeliz esse ano? Quantos prazeres eu me permiti? Quantas calunias eu contei? Quantos dias esperados transformados em inesperados dias de escuridão azul? Bebe-se e deita-se na cama, ah que mundo vagabundo que me dá o que eu quero e me coloca no meio da rua, no meio da noite, no meio do mundo. Quanta agonia por todo amor que eu não posso sentir, quanta raiva, força contida, demasiada enforcada no seio do “eu já sei”. Eu sou um vadio e um pedinte, e com o tal só sei vadiar e pedir. Quantas vezes no dilema do pecado, no quarto mofado, frio e solitário pensei em mudar. Mas a mudança acontece quando quer. Quantas mudanças. Ah, mundo vadio, sua noite não muda, escura e vazia, lenta e desesperada, outono tardio. Mundo, vasto mundo, me impõe a cruz e a espada, a escolha e as não escolhas, ou de amar como uma vadio, seguindo o cheiro do cangote mais cheiroso, quente e aconchegante existente na terra, ou a...mundo, cidade, pessoas, mundo, você. Quantos dias faltam para o mundo ser você? E dá -me beijos mil, depois cem, depois outros mil, e depois vagarosamente contando cada um de novo e de novo perderemos a conta, misturaremos tudo, resultando no final a sublime e plena lembrança do pequeníssimo mundo que cabe na mão, cabe na boca, cabe na felicidade inatingível dos momentos únicos e satisfatórios deste ato de existir num mundo tão estranho e unico.

quarta-feira, maio 25, 2011

Fado Tropical

Tantas léguas a nos separar.., pudesse o povo português fugir para Lanzarote como o fez Saramago, hoje, as voltas com sua crise financeira, revive o Fado Tropical as avessas. Mesmo em nossos dias globalizados ainda há tanto mar a nos separar e vejo o quanto para Portugal é preciso pá, navegar...


Lembro de tempos não muito longínquos, talvez desde a revolução dos Cravos, que este país acenava com alguma promessa de desenvolvimento, dos anos noventa, o filme Terra Estrangeira de Walter Sales Jr., narra a história de um jovem que migra para este país fugindo da falta de perspctiva e da política econômica neoliberal dos anos Collor.


De lá para cá o ideal liberalizante também alcançou a Social Democracia européia, , hoje países como Grécia, Espanha, seguem o mesmo receituário do Consenso de Washington e do FMI que outrora países latinos seguiram. Em sentido contrário o Brasil vem promovendo política de pleno emprego, garantias sociais, fortalecimento das instituições políticas democráticas. De quando a Social Democracia européia entrou em crise, tal fato deveria servir de exemplo para o maior partido social democrata brasileiro, o PSDB, rever seu programa, que de social democrata não tem nada, e se reorientar frente aos avanços econômicos e sociais do atual governo.


Atualmente a pseudo social democracia brasileira do PSDB está moribunda, o partido não tem um projeto político nacional e mesmo governando estados mais ricos da federação não dispõem de um líder. Será que tal sigla tenha se sucumbido junto a Social Democracia no mundo, ou será que a crítica às obras do nacional desenvolvimentismo do atual governo, se revelou como um tiro pela culatra e agora seus caciques estão abandonando o barco?


Contra a emersão da classe média empreendedora, programas sociais, crescimento de mais de 660% das reservas internacionais, a Petrobrás e o BNDES, não tem PSDB que agüente, bater em um desses é dar tiro no pé.


Ainda aguardo renitente que esses ares também cheguem à cidade de São José dos Campos em 2012.









quinta-feira, maio 19, 2011

Monstros e Monstruosidades

Noite passada, o Bebê de Rosemary me chamou para apresentar o fantasma de Chet Baker, cabisbaixo, coberto por uma bruma, sequioso por um mais trago, do infante terrível só pude ver o seu rosto refletido na campana, em sua parte côncava, que o deformava esticando-o até sumir no escuro, depois, e só mais tarde, vi que se tratava de uma sutura que unia sua face à noite, com timbre melancólico, agudo, a se misturar com o som do meu despertador cerrando aquela grade que nos prende ao real sempre às 7 da manhã.


Acordei, intrigado e com um patético bom humor, que logo fora dissipado enquanto tomava café vendo o noticiário: alagamentos, congestionamentos, nevoeiros, aeroportos operando por instrumentos... enfim, acordei com o sentimento do mundo! Lembrei-me do Drummond, “tenho duas mãos e sentimento do mundo”, pra mim, o maior poeta brasileiro soube sintetizar o viés de nossa modernidade, quando moleque, comecei lendo Drummond e só parei quando li todos seus livros ainda aos 16, me senti vaticinado pelo verso e naquele mesmo ano pensei em ser poeta, ledo engano, pelo menos com Drummond aprendi o que é a contingência, o humanismo e o existencialismo

O poema Máquina do Mundo em seu livro Claro Enigma é considerado por muitos um dos maiores poemas da língua portuguesa no Brasil. O ceticismo frente aos cânones da modernidade é a tônica do poema, a sua crítica a ciência, ao pensamento sistematizado em um método, o afã do homem para controlar o seu meio e sua realidade, tudo isso escrito na década de 50, quando ainda tínhamos os ecos do modernismo como o futurismo.

É neste afã de controle e conhecimento sobre o universo que se assenta o moderno, mas Drummond faz saber que o universo não só fisicamente mas também epistemologicamente é infinito, dentro da inifinitude epistemológica há sempre o que se conhecer, o homem jamais abarcará a totalidade e a realidade ultima.

A contingência e aleatoriedade é a base da natureza e da realidade humana, e ao ver o noticiário o esforço que fazemos para contorná-las, as ações empreendidas, o trabalho de todos seguindo o mesmo padrão, numa repetição exaustiva de poucos movimentos elementares, às vezes até, aparentemente sem sentido, realizando gestos inocentes e triviais, que nada tivessem de aterrador, contudo percebi que são imprescindíveis para levar a cabo as atrocidades.

Que a imaginação esteja no poder, que os sonhos fecundem o fictício, que se desenvolva as potencialidades do imaginário, pois é invenção que transgride os limites do factível. Assim, o possível, o virtual, o futuro não serão representados senão através do imaginário, pra além da máquina do mundo.


A Máquina do Mundo

E como eu palmilhasse vagamente

uma estrada de Minas, pedregosa,

e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos

que era pausado e seco; e aves pairassem

no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo

na escuridão maior, vinda dos montes

e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu

para quem de a romper já se esquivava

e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,

sem emitir um som que fosse impuro

nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção

contínua e dolorosa do deserto,

e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende

a própria imagem sua debuxada

no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando

quantos sentidos e intuições restavam

a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,

se em vão e para sempre repetimos

os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,

a se aplicarem sobre o pasto inédito

da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma

ou sopro ou eco ou simples percussão

atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,

em colóquio se estava dirigindo:

"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,

mesmo afetando dar-se ou se rendendo,

e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza

sobrante a toda pérola, essa ciência

sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,

esse nexo primeiro e singular,

que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente

em que te consumiste... vê, contempla,

abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,

o que nas oficinas se elabora,

o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,

os recursos da terra dominados,

e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre

ou se prolonga até nos animais

e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,

dá volta ao mundo e torna a se engolfar,

na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,

suas verdades altas mais que todos

monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene

sentimento de morte, que floresce

no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance

e me chamou para seu reino augusto,

afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder

a tal apelo assim maravilhoso,

pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo

de ver desvanecida a treva espessa

que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas

presto e fremente não se produzissem

a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,

e como se outro ser, não mais aquele

habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade

que, já de si volúvel, se cerrava

semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;

como se um dom tardio já não fora

apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,

desdenhando colher a coisa oferta

que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara

sobre a estrada de Minas, pedregosa,

e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,

enquanto eu, avaliando o que perdera,

seguia vagaroso, de mãos pensas.



Carlos Drummond de Andrade in Claro Enigma