sexta-feira, julho 16, 2010

Copa e Caos

Recentemente os erros de arbitragem cometidos na Copa do Mundo trouxeram a baila o uso de tecnologias no futebol, tecnologias já disponíveis de fácil acesso capazes de ampliar a percepção humana e aumentar a assertividade do julgamento de uma partida, que no estádio, por todos os motivos óbvios e pela própria condição humana do árbitro, torna-se impossível aferir com precisão a validade de determinadas jogadas. A própria FIFA é refratária ao uso de tais tecnologias muito provavelmente pelo temor de como essas tecnologias podem influenciar a nossa capacidade de decisão.
O fato é que a técnica altera decisivamente a percepção do espaço e do tempo, e por conseguinte suscita outros imaginários. A subjetividade e a imprevisibilidade não fazem parte da máquina, uma prerrogativa da mesma é a objetividade e a neutralidade, contrários ao que se tem na natureza. Aliás, o objeto tende a ser perfeito quanto mais “tecnicizado” for, criando uma simulacro da natureza, quanto maior o conteúdo técnico agregado mais a natureza estará perto da perfeição.
A objetividade e a neutralidade já foram postos a prova no início do século passado com a fenomenologia de Heiddeger e também pela física, que colocou em xeque os postulados da prática científica calcados na previsibilidade. Uma dessas acepções foi o Princípio da Incerteza, de Heisenberg (1927), que afirma ser impossível medir com precisão e simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula atômica. Coisas que o Capra sempre falou.
A imprevisibilidade faz parte do modelo caótico e probabilístico da ciência contemporânea, da teoria do caos, que se torna ainda maior com o aumento da complexidade do sistema. Signatários dessa idéia nas ciências humanas estão Gilles Deleuze e Félix Guattari que também compreendem a realidade de maneira cambiante, não unitária, imponderável e caótica.
Não existe apenas uma forma de se explicar a realidade e a natureza humana, a mecânica clássica de Newton não foi revogada pelas leis da mecânica quântica, um corpo ainda continua caindo com aceleração de 9,8m/s2 . Para o filósofo Karl Popper, enquanto não houver uma alternativa melhor disponível, os fatos discordantes à teoria vigente vão sendo ajustados por explicações adicionais, chamadas de hipóteses ad hoc.
Desse modo, é lícito afirmar que um árbitro eletrônico no lugar do homem em uma partida de futebol seria garantia de uma arbitragem imune de erros? As variáveis são muitas, existe uma infinidade de fatores que determinam um fenômeno e sua interpretação está diretamente ligada entre o observador e a coisa observada, nós somos o fenômeno que observamos. A Interpretação está ligada a percepção, que muito embora tenha sido amplificada pela tecnologia, não está fora do fenômeno observado.
De outro modo, sendo a arbitragem algo exato previsível, objetivo, neutro beirando a perfeição com seu alto conteúdo técnico agregado isto não “artificializaria” a expectação? Até mesmo dentro do campo e/ou estádio, uma vez que se pode ver no telão a exatidão do lance? Não haverá mais a “mão de deus” nos gols e nem poderíamos mais chamar o juiz de ladrão e filho da puta.


segunda-feira, julho 12, 2010

Ode ao Poetinha e aos meus amigos.

"que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental."
vinicius de moraes
Escrever seja lá o que for, bem, com qualidade comprovada não é tarefa fácil, muito pelo contrário, tanto que se mal pesadas as medidas, o sujeito passa de poeta a esteta numa fração de segundos. Mas quando o indivíduo encontra o ponto certo entre uma especiaria e outra, entra quase que imediatamente para o hall dos grandes, dos mestres da letra e da palavra, que usam a pena como lança de São Jorge. Defendendo ideias em idas e vindas, com ferocidade e doçura.
Nesse mês de julho, um dos grandes poetas da humanidade faz trinta anos de morte. Dia fatídico aquele dia 09 de julho de 1980, que levou e calou a voz amalgamada composta por samba, macumba, jazz, poesia e bossa. Deixando órfãos milhares de filhos que amam o bom e velho cachorro engarrafado , nas suas várias formas, que apreciam as boas e belas companhias, que sentem acalento quando do abraço fraterno e honesto de um velho-novo amigo. Órfãos, quantos o são por aí, sentados às mesas de bares, nas rodas, falando alto disso e daquilo. Esse talvez seja um dos frutos deixados pelo Poetinha, filho de linhagem direta de Xangô, mas há outros também, frutos tão perenes e indeléveis quantos os mencionados. Sendo o maior deles o gosto pela vida e pela existência feminina.
Savará e obrigado, é o que deve ser dito em sua memória, agradecimentos à sua obra escrita entre tercetos e quartetos, repleta de rima rica, de musicalidade, de genialidade. Obrigado Poetinha, por mostrar que é possível escrever maravilhosamente bem, dentro do espaço reduzido, "amarrado" a estrutura e divisão poética silábica.
Vinicius de Moraes, Poetinha, diplomata da boa vida, das paixões fulminantes, obrigado pelo samba macumba, pelos ensinamentos que vão além da música e da poesia, que estão mais próximos a uma filosofia de vida, uma nova proposta estética do ser. A bênção e Saravá Poetinha!!!

quarta-feira, julho 07, 2010

Ecce Homo, Friedrich Nietzsche, 1888.

"Não sou nenhum bicho-papão, nenhum monstro moral -- sou até mesmo uma natureza oposta à espécie de homem que até agora se venerou como virtuosa. Cá entre nós, parece-me que justamente isso forma parte de meu orgulho. Sou um discípulo do filósofo Dionísio, preferiria antes ser um sátiro a ser um santo. Mas leia-se este escrito. Talvez eu o tenha conseguido, talvez não tenha ele outro sentido senão expressar essa oposição de maneira feliz e afável. A última coisa que eu prometeria seria "melhorar" a humanidade. Eu não construo novos ídolos; os velhos que aprendem o que significa ter pés de barro. Derrubar ídolos (minha palavra para ideais) -- isto sim é meu ofício. A realidade foi despojada de seu valor, seu sentido, sua veracidade, na medida em que se forjou um mundo ideal... O "mundo verdadeiro" e o "mundo aparente" -- leia-se: o mundo forjado e a realidade... A mentira do ideal foi até agora a maldição sobre a realidade, através dela a humanidade tornou-se mendaz e falsa até seus instintos mais básicos -- a ponto de adorar os valores inversos aos únicos que lhe garantiriam o florescimento, o futuro, o elevado direito ao futuro."
Friedrich Nietzche. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. (São Paulo, Companhia das Letras, 2009, pp. 15-6).