quinta-feira, novembro 13, 2008

A Sequidão da Palavra


A economia da palavra, dos adjetivos, dos arranjos semânticos, a sua contenção, as sentenças lancinantes e a precisão dos períodos fizeram com que eu relesse Vidas Secas em duas noites dessa semana.

Mas do que uma aula de regionalismo e critica social de Graciliano me impressionou a análise feita da descoberta da linguagem. Um dos personagens, Fabiano, sofre de um déficit de vocabulário e uma dificuldade da língua corrente que o impossibilita de tomar uma série de iniciativas em sua vida.

Em uma das passagens do livro este personagem é preso por não conseguir argumentar com o policial sobre uma dada situação, em outra, mesmo sabendo que está sendo explorado pelo patrão também sente uma dificuldade em resolver o problema por não conseguir articular de maneira eficaz sua argumentação com o dono da fazenda.

É através desta contenção que Graciliano soube carregar semanticamente cada parágrafo deste livro com a sequidão do sertão, é possível ver a caatinga, as árvores retorcidas na língua travada dos personagens, os galhos ressequidos de uma vegetação decidual que perderam a capacidade de argumentação junto com suas folhas. Forma da escrita de Graciliano assume o conteúdo do livro.

E esse fato me pôs a pensar, de onde brotou e vicejou tanta sequidão, de onde veio tão poucas palavras pobres? Tomando por parte o próprio materialismo de Bakhtin, a pobreza destas palavras brota da própria pobreza material. A organização material determina contraditoriamente a formação do signo lingüístico.

O suporte do signo é necessariamente material para Bakhtin, como toda articulação material é histórica e dialética, o signo também assume essa forma, e por conseqüência também carrega consigo a desigualdade social e a luta de classes. Sempre apresentando um sentido de polifonia ( várias vozes dentro do mesmo discurso) num desenvolvimento desigual e combinado entre a base material, o signo e apropriação da linguagem. A expropriação material se traduz na exclusão da posse das palavras.

Em alguns momentos do livro parece que os personagens não sabiam se as coisas tinham nomes ou se esses nomes eram uma criação humana ou divina, viviam presos num circuito em que a materialidade do signo não permitia a ultrapassagem pela imaginação.

Não sei se foi isso que Graciliano pensou, mas foi isso que vi.

4 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro amigo,

há tanto a comentar sobre Graciliano que me foge a palavra. Mas uma das passagens que comove neste livro é o céu da cachorra baleia cheia de preá.

Nilson Ares disse...

Graciliano levou a sério a palavra, talvez por isso constatamos a crueza dos seus signos quando os empenha em narrar a dureza da vida do sertão.
"A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer"
(GR)

Marcio disse...

peraí, deixa eu ver se entendi, a capacidade de criar signos, de relacionar coisas a símbolos, que acho que está relacionada também a uma certa capacidade de abstração, está proporcionalmente relacionada ao meio material?

Anônimo disse...

O signo e a linguagem são determinanos materialmente, mas não se engendra somente num determinismo pois dialéticamente o signo também determina.
Para Bakhtin a natureza do signo não se resume na realção entre a representação e a coisa, mas está sobretudo na construação histórica material e dialética da relação entre coisa representada, por tanto, para esse autor o signo é essencialmete ideológico, histórico , politco e pode inclusive oprimir, quando a apropriação da linguagem mimetiza o desenvolvimento desigual e combinado do meio material.
Pelo menos é o que o bAKHTIN ACHA!