sexta-feira, outubro 16, 2009

MEU TIO E OS RELÓGIOS


Meu tio apreciava os relógios. Interessava-se por vários modelos, tamanhos e mostradores; em especial os de caixa quadrada, dourada e com pulseira de couro. Admirava quando um de nós chegava em casa com um modelo novo no pulso.
Perdi a conta de quantos Technos, Champions, Citizens e Orients, entre outros deixaram os olhos de meu tio brilhantes, fazendo-o arrancar elogios, na maioria das vezes sinceros, outras vezes nem tanto, mas, apenas para não desapontar os sobrinhos.
Pelo pulso do meu tio, durante os seus 57 anos de vida, inúmeros relógios passaram e deixaram saudade, lembraram momentos, sua juventude, sua maturidade e sua efêmera velhice. A Bossa nova e a Jovem Guarda, principalmente Roberto Carlos, embalaram a juventude do meu tio, que ao lembrar de algum relógio que usara, logo projetava do passado os lugares que freqüentou, os (poucos) amigos que teve , e as mulheres, claro...
Era muita história que eu passava tardes ouvindo ele contar, sentado à calçada, num fim de semana qualquer.
O curioso era que meu querido tio não ligava muito para o tempo, não pensava no futuro, em ter mulher, filhos, carros, etc. estas coisas pequenas para uns, fundamentais para outros (não vem ao caso aqui discutir). Meu tio não estava nem aí para o dia de amanhã, embora ele nunca tivesse declarado algo sobre isso.
Os relógios apareciam junto com os empregos que conseguia e iam embora quando ele se desempregava também, e a preço de banana; ao vendê-los aos “roleiros” que ficavam durante a semana parados em frente à igreja matriz, no centro da cidade.
Metalúrgico, vigilante, servente de pedreiro, ajudante-geral... Deve haver mais funções registradas em sua carteira de trabalho; a memória me falha, mas a lembrança mais nítida é a de sempre ter um relógio ou não a enfeitar seu braço, nos momentos de alegria e tristeza.
José Francisco ou Tio Né como o chamávamos (Nenê era seu apelido de infância), amava a beleza dos relógios, se pudesse tê-los-ia todos; os do mundo inteiro, principalmente os suíços.
Tio Né ignorava a supremacia do tempo, o passar dos anos, as rugas, as dores que vão nos levando sem percebermos.
Um belo dia o tempo parou para o meu tio e ele estava sem relógio, era domingo, 5 de abril de 2009, data dos meus trinta e cinco anos.
Como fazia todo domingo, ele voltava da banca de jornal próxima à nossa casa, e trazia notícias fresquinhas do “São Paulo” dele, do meu “Corinthians”, mas não deu tempo... Tempo para chegar em casa e nos contar (a mim, a meu pai e meu irmão).
Não havia mais tempo, muito menos relógio...


Valeu Tio! Muita Saudade...

(Para José Francisco Ferreira)

6 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente maravilhoso.... Há muito não me emocionava tanto. Sei que isto é uma história verdadeira, entretanto, se não o fosse estaria perfeita do mesmo jeito.
Aqui recordo da fala do saudoso Marco Antonio grande professor , não é o que se conta , mais o como conta.

Saudações meu amigo,

Piqui

Nilson Ares disse...

É velho... A saudade é o amor que fica.

Valeu!

Anônimo disse...

Sarsex, acho que por um instante pude comungar desse verdadeiro sentimento expressado em seu texto.É de chorar!
Fabiano Baldi

Serpa disse...

Velho, Tio Nê foi muito pra mim, pra todos nós. Ria das piadas graça, sempre nos apoiava, se embasbacava com nossas novidades. Tudo simplesmente por amor. Prometi não ser egoista chorando por sua partida, confesso que dessa vez o sentimento foi mais forte. Infelizmente não pude me despedir e dizer-lhe o quanto o amava, mas espero tê-lo feito feliz!

Anônimo disse...

chorei aqui mano...abraços. S. Farias

Xilomovel disse...

Amigo Nilson, não é apenas emocionante, é muito bonito isso que você escreveu, essa beleza que vem da simplicidade e da honestidade. Um salve ao Tio Né!