quarta-feira, novembro 25, 2009

Flanêur : O Diálogo



“Ai de mim!”, disse o rato, “o mundo vai ficando dia a dia mais estreito”.
“Outrora, tão grande era que ganhei medo e corri, corri até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro que eis-me já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair.
“Mas o que tens a fazer é mudar de direção”, disse o gato, devorando-o.

Frank Kafka – Fábula Rasa

Um dia desses atrás, observando a conversa de dois amigos, quando ambos reclamavam das novas lentes com grau (óculos) e do esforço para se adaptar a taís, percebi a profundidade do assunto.
Não era por se tratar dos novos óculos, mas como utilizá-los, uma vez que eram multifocais, e que necessitavam de uma nova maneira de enxergar o mundo.
Um deles relatou que quando olhava para o chão, perdia a noção do mesmo, pois na parte inferior da sua lente era para ler de perto, e o chão estava longe. O outro disse que quando está lendo, as próximas palavras na seqüência, ficam ilegíveis, pois as lentes possuem camadas de graus para enxergar de perto, de longe, para ler,... ou seja, como já dito, eram multifocais.
Com uma vontade danada de perguntar como era viver assim, um espontaneamente me disse que agora não basta olhar o chão somente com os olhos, mas inclinar a cabeça para baixo, pois assim estava olhando no local certo da lente que permitia uma visão clara do chão, o outro disse que não bastava correr os olhos nas palavras e sim acompanhar com a cabeça.
Perante tais fatos, fazendo uma observação ao Oswald de Andrade, que dizia que só a “antropofagia nos une”, fico mais com a idéia do Milton Santos, “que diz” que só a técnica nos une, pois atualmente é mais fácil a técnica nos unir, seja pelo o uso de umas lentes, que leva todos aos mesmos movimentos e ações, seja pelo fato de todos procurarem uma vela, no mesmo momento (uníssono) no caso da falta de energia , como no apagão passado.

A nossa sociedade (infelizmente) é ainda mais emética, do que canibal. Já a técnica (ao meu ver) foge do controle emocional, das vaidades, orgulhos e adjacências.


Dedico ao Zecão e ao Silvio Ferreira, por me darem num momento de descontração, essa observação.

8 comentários:

Maria Angélica Davi Costa disse...

Prata, envelhecer não é isso? Adaptar-se a tudo, fisicamente, fisiologicamente, emocionalmente e tudo mais?
Minha pergunta é: para que? Pelo metodo ou qq coisa? Pq? qual sentido? Pq ser? Pq não simplesmente não ser?

Anônimo disse...

Esse povo filosofa em tudo!
Piquitito

Anônimo disse...

Maria, em relação a vida, ainda prefiro a opinião do gato.

abraços


Prata

Alê Marques disse...

Gostei do texto e das metáforas! Mas, desculpe-me, onde entra o Flanêur na história?? Ele estaria na metáfora da lente dos óculos? Aludindo outras formas de observação? Pouco provavel. Ou você seria o próprio Flanêur?
Achei também interessante a questão da técnica. Porém também me pareceu um pouco confuso a relação emoção / técnica. Uma não exclui a outra, muito pelo contrario!
A tecnica participa na produção da percepção, seja do espaço ou do tempo, não só pela sua existencia física, mas também pelo seu imaginário. Marcado hoje em dia notadamente pela sua velocidade, capacidade de acumulo de dados, a ponto de gerar outras realidades.
A técnica é imaginário e também emoção.
Ela é a base material da representação, o espaço para Milton Santops é materrial-histórico-dialético, articulado pela técnica; assim como o signo para Bahktin é material antes de ser simbólico. Ou melhor todo simbolo tem sua base material, que só faz sentido quando inferimos no seu conteúdo técnico,
Não vejo orgulho, emoção e "adjacencias" dissociados da tecnica.

Anônimo disse...

Ia comentar, mas o Alê já escreveu tudo o que eu queria.

Abraço.

S. Maia

Nilson Ares disse...

Ah, sei sr S. Maia, você é o novo fodão aqui do blog.

Por isso não precisa ficar comentando.

Anônimo disse...

Eu sou um nada, Nilson.

Assim como você.

Que consegue ser pior no verso que na prosa.

S. Maia

Anônimo disse...

Coronel,

algumas obsertvações:

1 - Sim, O Flanêur seria eu mesmo. Citei-o pois no meu parco conhecimento O Flanêur (através do Benjamim) é um personagem do Baudelaire que extrai seus pensamentos e idéias a partir das observações das multidões, das cidades, do comportamento, sempre mantendo seu olhar como telespectador, conservando sua privacidade.

2- Embora saiba que a técnica permeie toda a nossa vida, até na composiçãos dos sentidos, ainda acredito que em certos momentos essa "Emorazão" não funciona, pois vejo (pelo lado da fratermnidade e da tolerância) ainda a impossibilidade de muitos amarem uns aos outros ( comê-los), pois não reparam a existência do outro, o que dirá comê-lo.
Em suma, eu quis dizer que a técnica "rouba" a emoção, pois nos leva a ações condicionadas, mecanicistas, enquanto a emoção não.
Seria como ver um acidente de trânsito , e ficar na dúvida em ajudar ou não, diferente de apertar o interruptor da luz, por exemplo.


abraços

Prata