segunda-feira, janeiro 03, 2011

In the Flesh


Os corpos se entendem, as almas não. Diz Drummond em um poema que já não me lembro mais qual. O fato é que há na atualidade uma relação direta entre corpo e poder, e o elemento de interação entre ambos é a imagem.
Hoje a imagem representa o ideário virtual que vê na materialidade do corpo uma viscosidade incômoda (Pelbart, 2003), há uma aspiração por uma imaterialidade do corpo em nossa modernidade tardia, a representação do corpo assume uma autonomia frente a sua materialidade, não que a representação não seja material, e nem que o virtual não seja real.
Susan Sontang em seu livro Diante da Dor dos Outros descreve bem a atuação de fotógrafos como Robert Capa e Henri Cartier Bresson que estiveram em fronts de guerra e captaram imagens “traumáticas”, termo que Barthes se refere em seu livro Câmara Clara . Porém, hoje, existe dois tipo dessas imagens traumáticas, as que são capturadas por um fotógrafo e as que são capturadas por câmeras de vigilância de circuitos fechados.
A diferença é que na primeira é necessário que o fotógrafo ou cinegrafista esteja presente ao fato, e portanto, mesmo que tencione uma objetividade, a imagem é fruto do enquadramento dado, de uma determinada luz, de sua subjetividade, de sua intencionalidade, existe uma leitura do fotógrafo na captura da cena. Já na segunda é necessário apenas a presença da câmera, a leitura previa do fotógrafo ou cinegrafista é banida.
Certo dia vi um ensaio fotográfico erótico feito através de câmeras de circuito fechado. Neste caso, o corpo tem seu poder, ou seu potencial erótico fundado em uma imagem as vezes poética ou mesmo banal, mas o que chama a atenção é que não é o olhar do fotógrafo que buscou ou tencionou o poder de erotização do corpo, foi um artefato técnico disposto em um ambiente que captava cenas aleatórias desde um bêbado dormindo, um cachorro cagando, as mesas de uma repartição pública depois do expediente etc...
Outro uso corrente, é quando essas imagens vão parar nos noticiários como prova material de agressões, rebelião de presídios, desastres aéreos e assaltos. Todos fundados na objetividade do aparato técnico que captou as imagens, esse é o Panótico de Foucault em nossa modernidade tardia.
A construção da imagem em circuitos fechados transporta o olhar da pessoa que vê para o locus do evento, colocando-o na mesma altura de quem é olhado, mesmo que a imagem seja de baixa resolução passa uma conotação de fidedignidade e verossimilhança, a que a representação do fotógrafo não tem a pretensão. Se assim fosse nenhum fotógrafo teria “estilo”, a verossimilhança ou mesmo a objetividade, no fim das contas, não é a principal causa do fotógrafo, mas sim a recriação do dado comum através de sua interpretação.
Em ambos os casos, a relação poder e corpo é mediada pela imagem, só que no caso dos circuitos fechados, o corpo moderno é constituído através de um olhar tecnológico, em que a metáfora da bioinformática tomou de assalto o velho e obsoleto corpo cuja sua imagem era recriada e não diretamente relacionada à verossimilhança, para um corpo tecnicizado, objetivo, o poder sobre o corpo está numa imagem técnica que o constrói e o reproduz numa escala infinita e num tempo fluido.


PS: Não percam hoje, Documento Cultura: Robert Capa

3 comentários:

Anônimo disse...

diga-nos, de quem é esse corpo maravilhoso

Anônimo disse...

realmente, quem é?

Anônimo disse...

Delícia não?