sábado, março 12, 2011

O objetivo da arte de escrever: O amor

Quero compartilhar com vocês trechos de poemas que considero tirados de dentro da alma. Drumond diz: escrever sobe o batimento as alturas, por isso escrevo. Recriar a realidade? Ah, como não, quero o sonho mais inatingível.Obs. Existe um costume numa tribo indígena, na qual, você, tem o direito de enlouquecer uma vez na vida, apenas uma vez, pode tocar fogo na casa de todo mundo, gritar, chorar, bater, o que quiser, apenas uma vez na vida. Desde que o motivo seja válido, morte, perda, guerra, enfim. Eu já enlouqueci. Já tive minha vez. Por amor. Este poema me lembrava à loucura sem pesares do amor partido. Continuando com o tema do porquê escrever. Este primeiro poema (na integra) de Maiakowisk retrata o sentimento desesperante de perder o objeto amado (perda consiste em posse, eis ai o erro). Não conheço motivo maior para escrever. O segundo é um trecho de um poema de T.S.Eliot que versa sobre o mesmo tema, seguido da versão original, que, pois, é a versão autêntica. Lilitchka é o grande amor de Maiakowisk, quando leio isso não me sinto capaz de fazer melhor.

LÍLITCHKA!
Em lugar de uma carta

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto –
um capítulo do inferno de Krutchônikh.
Recorda –
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração – aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.

Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor, meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
– duro fardo por certo –
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.

Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval –
dispersarão as folhas dos meus livros…
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

(Tradução de Augusto de Campos)

Trecho de Quarta feira de cinzas de T.S.Eliot

Senhora dos silêncios
Serena e aflita
Lacerada e indivisa
Rosa da memória
Rosa do oblívio
Exânime e instigante
Atormentada tranqüila
A única Rosa em que
Consiste agora o jardim
Onde todo amor termina
Extinto o tormento
Do amor insatisfeito
Da aflição maior ainda
Do amor já satisfeito
Fim da infinita jornada sem termo
Conclusão de tudo
O que não finda
Fala sem palavra
E palavra sem fala
Louvemos a Mãe
Pelo Jardim
Onde todo amor termina.

Versão original (todo tradutor é um traidor)
Lady of silences
Calm and distressed
Torn and most whole
Rose of memory
Rose of forgetfulness
Exhausted and life-giving
Worried reposeful
The single Rose
Is now the Garden
Where all loves end
Terminate torment
Of love unsatisfied
The greater torment
Of love satisfied
End of the endless
Journey to no end
Conclusion of all that
Is inconclusible
Speech without word and
Word of no speech
Grace to the Mother
For the Garden
Where all love ends.

Nenhum comentário: