Há dois anos conheci Romildo Cézar de Jesus. Esse era o nome verdadeiro do Dromedário, apelido carinhoso conferido a ele graças a saliência lombar adquirida por locomover-se de forma arcada pelos pátios da escola. Também pudera, com dois metros e cinco centímetros de altura, sustentando nada mais, nada menos, que cento e sessenta e cinco quilos, que outro apelido lhe caberia tão bem?
Mas a estória não é sobre o pseudônimo Dromedário, mas sim sobre sua peregrinação, do pátio pra sala, da sala pro corredor, do corredor pro portão da quadra e assim por diante. Acho que se colocar em linha reta o tanto que esse cara já andou dava pra atravessar o Saara, ida e volta.
Mas a estória não é sobre o pseudônimo Dromedário, mas sim sobre sua peregrinação, do pátio pra sala, da sala pro corredor, do corredor pro portão da quadra e assim por diante. Acho que se colocar em linha reta o tanto que esse cara já andou dava pra atravessar o Saara, ida e volta.
E como já se deve imaginar, a lei da compensação – vide conversas socráticas com Maria, simplesmente – foi um tanto quanto legítima com o Romildo. Já que tinha tanta massa bruta, a cinza não era tão desenvolvida, acho que as sinapses não eram lá muito católicas, aliás, o Dromedário era filho de Oxum, mas isso não é determinante para essa estória. Recordo-me inclusive que uma vez lhe perguntaram por que é que o nome era corredor se ele sempre mandava que ninguém corresse ali. Simplesmente não respondeu a tal questão...
Noutro dia, mesmo sem arquitetar isso seguindo normas e parâmetros internacionais de fomento, a criançada da escola inventou um jogo de pontos com o intuito único de desenvolver sua popularidade. O jogo consistia hein conseguir irritar o Dromedário até ele partir pra ignorância, o que não era raro. Aliás, quando se irritava muito o Romildo se transformava numa criatura mais grotesca ainda, digo até monstruosa, com olhos esbugalhados e um pouco de baba espumante nos cantos do beiço, afinal aquilo não eram lábios ou cavidade bucal. O cara era só beiço. Vale lembrar que esse jogo era apenas pros mais velhos e corajosos da escola e apesar de ser uma tremenda idiotice, acabava, não se sabe como, atraindo as pequenas virgenzinhas das cercanias estudantis.
Acontece que numa manhã não muito cinza o Uésly, (acho que é Wesley, mas serei fiel a forma como ele era chamado) resolveu tentar a sorte, já que era um pouco esperto, nada estereótipadamente bonito e na verdade bem medroso, num insight de bravura incitada por pitadas de feromônios buscou na exibição uma forma atrair algumas garotas a sua volta.
Indagou ao Dromedário se ele sabia jogar iô-iô. Claro que não sabia, exigia muita coordenação motora. Então o moleque resolveu fazer uma demonstração. Várias manobras depois, como o cordão já todo enrolado, devido as elipses consecutivamente executadas, o garoto resolveu tirar uma manobra da manga. Pediu pro Dromedário ficar parado onde estava, sem se mexer, e começou a agitar o iô-iô pra executar a tão famosa “volta ao mundo” (pra quem não é amante dos iô-iôs essa manobra consiste em ao fazer o instrumento percorrer toda a extensão de seu cordão, lançá-lo num movimento anti-gravitacional para frente, a fim de que o mesmo percorra no ar uma volta completa antes de se enrolar novamente no cordão). Mal sabia o Uésly, tampouco o Dromedário que o capeta do Gabriel ia passar correndo naquele lugar, naquela hora, daquela manhã agora um pouco mais cinza, onde justamente nessa cena o imbecil do Antônio resolveu sutilmente interceptar o trajeto do capetinha, colocando de leve a ponta do pé a frente do encapetado que ao se desequilibrar buscou apoio nas costas do Dromedário, que apesar de todo peso não suportou o solavanco e deu um passo a frente, sendo acertado no beiço pelo iô-iô e sua força centrípeta. A multidão do intervalo ficou perplexa com tanto sangue jorrando da beiçola do Dromedário. É o tempo cinza fechou de vez.
Ainda sangrando Romildo apanhou o iô-iô do moleque com a mão esquerda e despedaçou-o com um movimento brusco. Aí sim, com as mãos ainda sujas de sangue e iô-iô, porém de alma lavada o Dromedário levou o Uésly pela aba da mochila pra ver a dona Gertrudes, pedagoga com a mesma qualidade de sinapses cerebrais do Dromedário, porém sem nenhuma força física, ou melhor, com acúmulo de tecido adiposo. Seus dotes mais notáveis eram a incrível potência das cordas vocais, máscara craniana e o pertencimento a uma classe social de pseudo semi-burgueses, adquirida ao se casar com Astolfo, metalúrgico bem sucedido, e patrocinador da faculdade de pedagogia a distância, dessas que se tem por aí aos montes, como as clínicas odontológicas populares, mas que sobretudo a legitima o direito de ocupar aquele cargo educacional.
Até hoje Uésly é aclamado por todos como o “Davi da escola”, que numa iô-iôzada sangrou um Dromedário e ganhou 1000 pontos no jogo da popularidade.
12 comentários:
Chega de io-io!!!
essa febre de io-io vai acabar matando alguém! A começar pelo beiço! Mas a força não é centrípeta e sim tangencial!
Grande Alexandre. Viva as aulinhas d Senai na década de 80. Valeu.
não consegui parar de ler até terminar, que simpático esse dromedário!
Puxa vida... Como me lembrou Frankstein este texto.
Fragmentado como o monstro de Shelley...
Valeu!
Quem dera ser tão romancista assim. Valeu Sarsa.
Praticamente um Veríssimo!!!
"Seus dotes mais notáveis eram a incrível potência das cordas vocais, máscara craniana e o pertencimento a uma classe social de pseudo semi-burgueses, adquirida ao se casar com Astolfo, metalúrgico bem sucedido, e patrocinador da faculdade de pedagogia a distância, dessas que se tem por aí aos montes, como as clínicas odontológicas populares, mas que sobretudo a legitima o direito de ocupar aquele cargo educacional."
Essa descrição foi sensacional!!!
Todas as vezes que eu leio, meu dia fica mais feliz!!! Sonho com o dia que todos os io-ios vão ser esmagados!!! :)
Deixa o Veríssimo ficar sabendo disso. Vai virar comédia da vida privada.
Mas em todo caso:
A favor de um Estado Dromedariano!!! Abaixo aos iô-iôs nas escolas!!!
Boa idéia.
Valeu Maria
não tenho nada contra os iô-iôs...porém a figura dromedariana me lembrou o mainardi quando jogávamos(sic) bola no Sueli...
valeu Chará, grande texto!
sf
Sabe que depois do texto lido também tive essa impressão. Valeu Farias.
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