quarta-feira, agosto 05, 2009

La Chat

O anjo Samuel…era santo? Acho que não. Acho que era um garotinho que recebeu três mensagens e na terceira resolveu responder direito. Por isso não falamos de santos, mas de pessoas normais, que se perturbam e se afligem. Foi nessa manha de sei lá que estação, que tempo, mais era um certo sol, de manha, mais cedo que oito, mais ou menos, mais que sete, pois eu já havia saído e pudera ver o animal ali estacionado de forma inerte e definitiva. Como a morte não é nada para mim, pulei o gato, e que se foda. Mas o mundo não e só feito disso.

Samuel ouviu de seu quarto um som. Era uma musica nostálgica e talvez uma coisa belamente ridícula. Que se gostasse, mas com desprezo. Era com certeza o rei.

Não precisamos mais saber de nada, ou não? O gato estava na escada e morto. A música do rei tocava. Era uma letra essencialmente vinculada a morte do gato, pois dizia “eu queria ser civilizado como os animais” ou coisa parecida, desculpem a falta de memória, mesmo porque a memória não era minha. A música tocava...

Não precisamos mais saber de nada. Só precisamos entender a dimensão e a importância dos fatos relatados, pois que as palavras não podem nos mostrar as iluminações ocorridas em certos dias de manhã amenas como sempre são, naquela escada que nunca bate o menor fio de sol, contornado de plantas úmidas e de fatos. O fato, como nos diz a filosofia moderna, é a prova de que a proposição tem objetividade, isto é, o gato está morto na escada, nada mais. Nada pode mudar esse fato e nenhuma emoção pode ser retirada desse fato a não ser por aqueles seres que as sentem, mais do que vivem numa cultura escrita. É por isso que chamo atenção às relevantes situações que envolvem uma simples morte.

Como dissemos o gato estava na escada, a qual era adjacente a janela deste que relata a iluminação, isto é, um sentimento que não pode ser escrito e, sim, incitado a ser entendido. Samuel, nosso caro contador de estórias, estava na cama. A cama fica ao lado da janela, e só existe uma janela para se entender esse fato, que dá na casa da escada, minha casa, onde este gato, ou melhor, gata, que se chamava “La chat”, um fresco nome francês, que significa ironicamente “a gata”.

Era um dia normal na vida urbana dos habitantes daquela fresta habitacional, gatos morrem todos os dias, não vão ao hospital, são até mesmos assassinados, sem uma preocupação maior, mas isso é outra questão. O dia nasce e o gato já estava lá. Eu não estava lá. Ao acordar me dei com o gato na escada, em forma já enrijecida, fúnebre e sem a menor condição de resgate. Frio como uma pedra, pois essa é minha real relação com a morte, nada, pulei o gato, e fui para o trabalho, chegando ao portão pensando nas possíveis ações que eu poderia ter tomado; sempre julgando o “foda-se” a melhor saída, me esqueci do fato, pois só é feliz aquele que tem o dom de esquecer, eu me esqueço com facilidade. Mas, uma questão importante em nossas vidas é a nossa mãe, e ela era dona do gato, e tinha dado esse nome ao gato, e alimentava esse gato, enfim, tinha algum sentimento pelo animal que, para mim só cagava e miava. A questão é o que minha mão iria fazer, sabendo que eu pulei o gato e não fiz nada, nem ao menos avisei, nem ao menos dei um fim no corpo, como fiz com o próximo gato morto que apareceu, o qual ela julga até hoje ter sido um seqüestro, oh sim, talvez, por um anjo de animais atropelados. Bom, ao chegar ao portão já me havia desencanado do fato, era apenas um animal.

Mas atrás da janela havia Samuel, que não havia acordado, ou melhor, não havia retirado da cama a carcaça obesa e desejante. Ficara escutando, como escritor maldoso, para criar fatos que pudessem ser colocados em algum vídeo minuto ou coisa parecida, os passos, a escada os diferentes caminhos que poderiam ser percorridos, e, por fim os badalos do rei soaram, algo que sempre percorre estranhamente a espinha como uma lembrança fúnebre, lembrança daqueles que se foram, daquele tempo que passou e mudou, pois agora, nós é que estamos fumando no portão, nós é que nos preocupamos, e nós podemos enfim presenciar, com a aguda inteligência de um adulto aquilo que jamais vai ser esquecido, embora queiramos que isso aconteça. O rei cantava “eu queria ser civilizado como os animais”, irônica canção para um insólito dia em que vizinhos envenenaram um gato.

Não preciso falar do choro, não é? Pois que mãe não choraria diante de seu querido animal jacente no delicado equilíbrio dos degraus da escada. Chorou, chorou, como sempre chora, mas a iluminação veio através da janela fechada e silenciosa que escutava a música, o choro, os passos, a sacola plástica, a lastima, e o fim de um gato.

João Vinícius Farias Rodrigues com participação de S. Farias

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, bom mesmo. Este conto lembra-me um pouco os contos do livro de Sartre, O Muro.


Hemerson.

Alê Marques disse...

Espirituosa a narrativa!!Gostei.

Murilo disse...

Sou suspeito..
e se entendi bem, as vezes realmente pulamos o gato...
espero que a lástima da perda não infecte outros gatos, e nem outros saltos..
e que se tivermos de saltar outros gatos que seja um salto sobre a morte..

el Samu disse...

Agora creio mais ainda no foda-se!

Anônimo disse...

.

Rodrigo Farias disse...

Meu caro sortudo escriba,
Eu fiquei... e fui acordado não com uma música mais sim com berros!
Sempre disse que mataria aquele animal, nunca gostei de gatos... aquele cheiro terrível... aquela mania de se esfregar...
O veneno não tinha, só a lingua, minhas palavras marcaram a senhora dona do animal.
E na hora da sua morte foi isso que ela gritou...
FOI VOCÊ!