terça-feira, junho 08, 2010

A Cidade Sem Serifa

Acesso a Zona Sul – Pista 3, saída para Dutra, proibido estacionar... A convenção é o instrumento mais usado (pra não dizer fundamental) na orientação do homem, quando não são convencionados por símbolos e signos são escritos de maneira mais clara e objetiva possível, e essa objetividade não está só no seu conteúdo mas também na própria fonte em que se apresenta a letra.
Toda convenção pressupõe certa racionalização, e as fontes utilizadas pelas letras para dar este tipo de informação dentro da cidade, destinada para quem está em trânsito, são totalmente desprovidas de detalhes, de desenhos mais rebuscados, de serifa. De maneira que num golpe de vista pode-se saber o significado da palavra, não se chega a ler toda a palavra letra por letra, na verdade, pela forma da palavra já se infere o seu significado. As palavras têm formas, e suas formas já são conteúdo. Com o perdão da digressão, isso é um pouco poesia concreta, os concretistas decompunham e colavam palavras inferindo em outros sentidos pela sua forma e sonoridade.
Esses textos esquemáticos permeiam a cidade, e São José se utiliza deles. Voltando da casa de um amigo na noite de ontem vim dialogando com eles (os textos), criando um discurso surdo que é destinado a cada pessoa em particular, sem precisar parar, sair do carro, somente como passante. Textos autoexplicativos, como se estivesse numa máquina de autoatendimento bancário, que ao inserir um cartão se obtém uma série de perguntas e respostas objetivas: saque, consulta, pagamentos etc.. A cidade é uma máquina e o diálogo com ela é objetivo, inclusive o espaço urbano é fruto de uma excessiva objetivação, que se transfere pro discurso urbano até se chegar a sua raiz sintática, ao ponto de racionalizar o próprio signo no afã de aumentar a eficiência da comunicação, do diálogo entre o passante e a passagem.
A construção do discurso urbano segue o mesmo critérios de eficiência, supondo uma uniformidade. E o que torna a uniformidade uma suposição é a cacofonia, a polissemia dos que vivem a cidade sem serifa. Chega-se a escutar um ruído de fundo, um interdiscurso; mesmo na noite fria de ontem, quando já não havia mais viva alma nas ruas.

Um comentário:

Nilson Ares disse...

As palavras sem serifa são caóticas, perdem sua linearidade ocidental natural...

Muito bom mesmo o texto!