terça-feira, dezembro 07, 2010

O Amargo da Língua

Outro dia vi um pequeno escrito meu em outra língua, pareceu-me um outro eu que escrevera, a grafia muda, letras e fonemas quando escritos a mão em outro código apresentam um outro desenho, uma outra grafia, uma forma diversa de nossa grafia corrente.
Mas a principal constatação foi a de que língua tem uma história própria que lhe confere certa autonomia, seus códigos, sua sintaxe, seu sentido, todo seu universo semântico se constitui em sua próppria estrutura, de modo que se quisermos inferir em outros sentidos temos que subverter a estrutura da mesma ou utilizar-se de uma outra linguagem.
Pode parecer óbvio, mas as vezes passa desapercebido. O fato é que a língua fala, existe um sentido na linguagem que precede o sentido de qualquer conteúdo que veiculamos através dela. A própria língua já é a mensagem, já é um sentido que reveste os conteúdos, os conjuntos sintáticos e semânticos dotam a linguagem de certa autonomia. De maneira que toda obra, elaborada numa dada linguagem é antes de mais nada a fala desta linguagem.
A prosa e a poesia seguem a fala da língua escrita, o mapa é a fala da linguagem cartográfica, o vídeo é a fala do áudio visual e por aí vai. Quando escolhemos uma linguagem para dar existência a alguma informação estamos escolhendo a fala que mais se aproxima do sentido que esperamos dar. Porém, também podemos representar um sentido bastante interessante quanto tencionamos e/ou forçamos a linguagem a dizer aquilo que ela se nega a dizer.
Roland Barthes dizia que o maior risco em relação às línguas é o que elas nos obrigam a dizer, isso não que dizer que o risco é o que ela nos impede de dizer, o que é muito natural e compreensível, todos sabem da dificuldade de se traduzir alguns termos de uma língua para outra, mas o que Barthes chama a atenção é sobre o que a língua nos obriga a dizer devido ao seu caráter autônomo.
A linguagem é a base da representação, porém a representação não é apenas uma mímese do real, uma cópia perfeita da realidade ela é uma recriação da mesma, talvez seja mesmo por isso que a língua recria o mundo e não apenas o copia.
Mas o mais importante é subvertemos o que cada linguagem nos obriga a dizer, criarmos uma resistência na linguagem para recriarmos mundos ainda mais diversos, para tornar nossa representação ainda mais prenhe de poesia, para criarmos o real injetado de ficcção, o real como política da ficção.
Isso acontece com grupos, de minorias éticas, culturais e territoriais, como coletivos urbanos (haja vista o Estival aqui em São José) que se utilizam do imbricamento de várias linguagens para veicular seu conteúdo. A Língua segundo Bakhtin também apresenta um caráter material histórico e dialético, e precisamos sermos subversivos para nos apropriarmos de seus sentidos e criarmos outros que nos represente.
Sejamos o grupo de resistência da linguagem para subverter o sentido amargo daquilo que ela nos obriga dizer.

3 comentários:

Anônimo disse...

A ironia é o drible da língua.

Anônimo disse...

Meus textos, mesmo sendo em minha língua, me causam estranheza. Num primeiro momento o conhecimento de algo que ainda não se tinha visto - como o rosto de um filho recém nascido; num outro é possível - e fácil - perceber a cura das letras, como se fundem com seu pano de fundo, e assim jaz sem vinculo algum com quem as escreveu. Por isso a dor de escrever e publicar.

Hemerson disse...

Imagine que antes de Gutemberg tínhamos os escribas e copistas que apesar de terem suas regras, não eram tão padronizadas como conhecemos hoje.
A linguagem era varíavel principalmente no que tange a sintaxe, alías, o papel da gramática é a padronização e por isso os linguistas criticam tanto os gramáticos , não a gramática.
Assim como temos os valores que tentam conservar a sociedade , temos o mesmo reflexo na linguagem escrita.
Mais é um papo para outro texto.