sexta-feira, agosto 05, 2011

Portão (II)

Ele via o outro lado da rua cortado por barras azuis e ainda dois punhos cerrados e dois antebraços vestidos em sua malha vermelha com 2 listras brancas.

Seus amigos já tinham ido.

Ele também já teria partido se hoje fosse um dia normal.

Não era.

A escola já estava vazia.

O frio era ainda maior por causa da chuva.

Sobravam ele e o segurança falando ao rádio.

Ele não gostava do segurança.

Ele sempre olhava sua mãe se agachar para pegá-lo.

- Nas raras vezes em que ela o pegava na escola.

Ele amava -

Por cima do ombro da sua mãe ele percebia.

E sempre com aquele sorriso esquisito.

Parou de fitar o homem e sentou no chão.

Abriu a lancheira, ele sabia!, estava vazia.

Mas ele também não estava com fome.

Queria apenas matar o tempo.

Sua medida era o escurecer.

A noite ainda não tinha chegado.

Mas dia já não parecia.

Foi então que encostou o carro do avô.

Ao lado dele a avó.

Os dois falavam ao telefone.

Não se lembrava do avô na escola.

Da avó sim.

Sempre ela.

Ele entrava no carro e ela o bombardeava de perguntas.

Ele gostava.

E só fazia uma: _ e minha mãe?

A avó dizia que estava em casa, esperando.

Naquele dia estava tudo diferente.

O avô desceu do carro, deixou a porta aberta e apoiou os cotovelos no teto.

Continuava ao telefone.

A avó ainda estava sentada no carro, mas de lado, com os pés apoiados no chão e com a porta encostada em sua canela.

Parecia estar descansando.

Ele não se mexia.

Depois de mais algum tempo naquela escala própria de horas a avó o pegou.

Percebeu que ela não queria olhá-lo.

Ela apenas encostou o seu rosto no ombro dela.

Bem devagar o colocou no banco traseiro.

O avô entrou no carro e apoiou a testa no volante enquanto dava a partida.

Já não estava mais com aquele aparelho na orelha.

Saíram sem trocar palavra.

Ele encostou a cabeça no pedaço de vidro que sua altura permitia.

Sentia a vibração e deixava que ela distorcesse sua visão.

Dali pra frente teria de se acostumar com aquilo.

4 comentários:

Anônimo disse...

cada dia piora...piora

Alê Marques disse...

Muito bom o texto! Uma descrição entranhada, minuciosa...
Gostei muito mesmo! Cada parágrafo é uma inferência lancinante.
A idéia que me ocorreu com esses parágrafos é que parece serem únicos, autônomos, de maneira que seria possivel embraralha-los, inverter a ordem que o texto não perderia sentido.
Mas e aí, a mãe do moleque morreu???

Anônimo disse...

Morreu no texto "Gosto amargo de filtro"

Abraço.

SM

Alê Marques disse...

Pode crer, agora chapô!!