quarta-feira, novembro 01, 2006

Roman Opalka e o tempo

Apesar de ter nascido na França, Roman Opalka é de origem polonesa, e esteve durante a infância vivida em plena 2ª guerra mundial em Auschwitz. Tornou-se internacionalmente conhecido pelo trabalho "Do um ao Infinito", que realiza desde meados da década de 60. A primeira tela desta série tem o fundo totalmente negro. Sobre esta tela, no canto superior esquerdo, iniciou a partir do número 1 a seqüência dos números naturais, em tinta branca, e com o pincel nº zero. terminando de preencher toda a tela com a seqüência numérica, fotografava seu rosto e gravava sua voz lendo os números que tinha pintado. então passa para uma nova tela, na qual adiciona 1% de tinta branca ao fundo da tela primeiramente negro (vocês se lembram, na escola, quando tentávamos fazer um cinza com guache, e colocávamos a mesma quantidade de branco e preto, e ficava preto?). Então reinicia a seqüência numérica de onde havia parado, novamente fotografando seu rosto na mesma posição da primeira foto, com a mesma máquina, e gravando sua voz. Cada tela tem o mesmo nome "Do um ao infinito: detalhe", pois é apenas um fragmento do trabalho.
Opalka continua fazendo essa série até hoje. Quando vi alguns desses trabalhos, expostos juntamente com as respectivas fotografias (sempre de camisa branca, a mesma expressão do rosto) e a gravação de sua voz lendo, acho que em polonês, os números, fiquei impressionado. Pois o que ele quer apreender em seu trabalho é nada menos que o tempo, sua inexorável passagem alheia à nossa vontade. Para isso, tem que abdicar de qualquer outra perturbação, para dedicar-se exclusivamente a esta tarefa, dia após dia. essa dedicação a um único trabalho causou-me um forte impacto, pois parecia uma tarefa quase religiosa, como um monge que se retira enclausurado para rezar por nossas almas, um mártir. Só que Opalka faz isso através do trabalho. As telas totalmente preenchidas por números, sua caligrafia constante, (à medida que atinta do pincel vai acabando, e ele molha-o na tinta branca para continuar escrevendo, o que segue um padrão repetitivo, a variação do branco dos números formam rajadas, ondas pela tela) são apenas um mero fragmento de um todo que tende, teoricamente, a nunca acabar.
Depois de três décadas, opalka já pintou centenas de telas e a contagem está na casa dos cinco milhões. O fundo da tela inicialmente negro foi tornando-se cinza, cada vez mais branco, o contraste dos números foi diminuindo, cada vez é mais difícil lê-los. Seu rosto nas fotografias tomou-se de rugas, e seu procedimento sistemático ao fotografar-se da mesma maneira torna isso irrevogavelmente evidente. sua voz envelheceu.
hoje, ao me deparar novamente com este trabalho, tive uma impressão bem diferente sobre ele. O fundo da tela está completamente branco. Segundo uma biógrafa do artista, os números são visíveis por apenas segundos, pelo brilho da tinta molhada, e desaparecem ao secar para sempre (uma metáfora nada otimista da vida). Aquela impressão que tive sobre a entrega do artista a um trabalho único, a uma tarefa sem fim, de certa maneira grandiosa, inverteu-se. Pareceu-me que Opalka apenas se resignou perante ao que há de mais certo na vida, e avaliando qualquer outra atitude como inútil, limita-se a registrar a passagem do tempo até que o fim chegue. Registro da espera, pois não há outra posição possível, confortável. Como ele mesmo disse, quando escreveu o número um na tela, seu trabalho já estava pronto.
Não há como julgá-lo, pois, também palavras dele, depois de Auschwitz, não há nada a dizer. Seu trabalho é sem dúvida um dos mais impressionantes do século. Mas essa postura, que posso muito bem estar enganado sobre ela, não me deixa muito confortável.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimos, desculpem-me pela falta da semana passada, mas a correria tá braba.

Anônimo disse...

"enquanto todos olhavam a vitrine, havia alguém de olho na fresta".

Anônimo disse...

"Se tem solução pra q sofrer, se não tem solução pra q sofrer?"

Anônimo disse...

Gostei bem da matéria, Márcio, valeu.

sérgim -