quarta-feira, março 28, 2007

CONTO: ALUÍZIO E O FÁRMACO – PARTE IV


O antídoto

Neste momento, o deputado se deteve por algum instante e não esboçou nenhum gesto, ficou parado, nem um movimento com os olhos, apenas olhou fixamente Aluízio e logo após, de dentro de seu caminhão, tirou uma caixa vermelha e robusta que continha dentro um vazo de planta. Explicou que se tratava de um santo remédio, que curava-se de tudo com a tal planta, e que tinha um poder analgésico fora do comum, o qual Aluízio se interessou muito. Porém, preveniu o sujeito, que o uso em grande quantidade ou em doses desmedidas da droga traria efeitos colaterais perversos, o próprio parlamentar admitiu que certa vez negligenciara tal advertência feita a ele por um índio - quando ao receber um espírito da floresta, narrou em um transe xamânico, tudo o que aconteceria num efeito colateral -, e dentre as reações estavam: a mímica, alergia à luz e a síndrome dos bons pensamentos – esta, terrível!
Aluízio, cauteloso, lançou-se numa pesquisa completa sobre manipulação de drogas, e depois de algum tempo, já de posse de um arcabouço teórico, foi que se sentiu seguro para dar início às suas elucubrações científicas e compor aquilo que seria a droga redentora.
Os primeiros passos eram segundo um método e processo de fabricação que ele mesmo desenhou: fazer um chá, precisamente a quantidade de um litro, encorpado e consistente, logo em seguida adicionar um quilo de mel e duzentos gramas de cera de abelha, e a partir deste momento, em fogo brando, a composição assumiria uma densidade pastosa num tom magenta, a qual antes que endurecesse, Aluízio faria pequenas bolinhas, comprimidos, de no máximo cinco miligramas cada.
A prescrição, feita por ele mesmo, seria um comprimido toda manhã por no máximo duas semanas. Foi tiro e queda, antes mesmo de se iniciar a segunda semana, Aluízio já não sentia mais dor nenhuma, não mancava e tinha uma disposição de moleque, e o mais importante, lembrava de tudo: fatos corriqueiros, da infância - muitos sem importância, minúcias, lugares, datas, pessoas, frases, lembrava-se até de tempos imemoriais.
Tal feito tornou-se de conhecimento público. Residentes e não residentes de Pilão Arcado começaram a freqüentar a casa de Aluízio em busca de algo que mitigasse as agruras do corpo, tomava-se o fármaco para problemas de pedra nos rins, cólica menstrual, bicho de pé... Motivos não faltavam, dos mais variados inclusive os torpes. Porém, Aluízio sabia muito bem pelos seus estudos, que não poderia lançar uma droga para a população sem antes uma exaustiva campanha de testes e certificação.
E isto foi o que tirou o sono de Aluízio durante noites. Como começar tal campanha? Onde encontrar tal estrutura? Cobaias? Metodologias? Legitimidade científica?
Passou-se um bom tempo até que desse o primeiro passo. Começou primeiramente com construção de seu corpo de provas, para a campanha de certificação do fármaco. Aluízio necessitava obviamente de cobaias, um corpo de provas que ficasse a sua disposição a todo o momento, para acompanhamento rígido, em que pudesse ministrar a droga nas doses certas em períodos e freqüências estudados, com um método determinado.
Para tanto, foi que Aluízio, numa linda manhã de sábado ensolarado, levanta-se bem cedo e com uma idéia fixa na cabeça, obstinado; dirige-se até o fundo do quintal, em uma dispensa em que seu falecido pai guardava suas ferramentas, e de lá pegou um rolo de arame, um feixe de taquaras, juntou com papel, tinta, fita de chita, e com vários outros adereços montou um boi, ornou-lhe a fronte com lantejoulas, fitas coloridas, pintou-lhe de cores vistosas e lhe fez um boi forte, ao mesmo tempo em que recuperou um outro boi, já combalido, utilizado num reisado há muito tempo, empoeirado, rasgado, com a chita molhada pela goteira e com algumas lantejoulas caídas e outras com o brilho fosco, realmente, em petição de miséria.

Continua...

Nenhum comentário: