quarta-feira, outubro 22, 2008

Tarde

Antes de virar a esquina já tinha o coração na garganta. Lembrar todo caminho não era difícil, o medo de errar o caminho é o que a deixava em pânico. Quando chegou, entrou e não prestou atenção em nada, nada viu, só sentia o cheiro dele e se concentrou para não tropeçar na própria vontade.
Não comecemos pensando errado imaginando que ela, cheia de tanto desejo, chegou e nada fez. Fez muito, sentia-se bem, confiante e sentou-se na cama, no pé da cama. Queria arder, mas sentou-se nos pés. Foi beijada, deitou-se. Conseguia prever tudo o que aconteceria ali, mas cada segundo demorava mais que uma vida. Mal conseguia segurar a roupa no corpo, queria sentir e ser sentida. O desejo não diminuía. Dane-se o mundo, a televisão, a janela, o pudor. Antes dali, quando ainda tinha alguma razão, colocou o sutiã bege, tentando afastar o inevitável, mas agora o mundo só tinha uma cor, a cor do amor.
Tempos depois, quando lembrava da tarde de outono ensolarada, o peito ainda apertava e uma falta de ar tomava conta.
O sutiã bege saiu, respirou fundo, queria tirar todo resto, mas não conseguiu sequer tirar os braços de frente do corpo. Ele sorriu, ela tirou os braços. Beijou, beijou com força, beijou com adoração, beijou porque de tanto desejo não sabia o que fazer. O toque da mão dele na sua pele fazia com que sua cabeça parasse. Sentou em cima dele, escutou um gemido e teve vontade de fugir. Tudo ali era irreal demais, feliz, natural. Tantas tristezas faziam com que ela quisesse estar em casa. Tantas tristezas. Queria estar em casa e não sentir, se alienar em frente a televisão. Não queria se envolver e queria ser amada, queria ficar sozinha e não sofrer. Mas já sofria, sofria em pensar que a noite chegaria e acabaria com a tarde. Sofria pela ausência futura do cheiro dele. Sofria porque o beijo acabaria. Sofria com medo que o tempo acabasse com tudo aquilo, se perguntava como teria vivido tanto tempo sem esse desejo e sem ser desejada como agora.
Tanto desejo, tanta carne, tanta vontade de descobrir e conhecer não podia terminar naquela tarde, tudo termina, mas não naquela tarde.

3 comentários:

el Samu disse...

o medo do inevitável, a vontade de não evitar mais... pueril e avassalador ao mesmo tempo...

gostei

Alê Marques disse...

Linda narrativa, gostei!!

Marcio disse...

Demais Maria! como é gostoso e inteligente o desejo!