sábado, novembro 14, 2009

Final de Primavera



Acordou e não abriu os olhos. Mesmo sem saber porque, esperou a dor. E ela veio. Sua mão ardia, sua cabeça latejava, as palpebras pesavam de tanto chorar. Abriu os olhos e o teto branco não amenizou a dor, só a aumentou, lembrando-a que tudo era real demais. Ele estava dormindo ao seu lado, mas não era ele, tinha uma expressão ruim, um rancor em sombras. Devia estar sonhando, pois as mãos e pés movimentavam-se em espasmos.

Ela levantou sem fazer barulho, foi até a cozinha, acendeu um cigarro no fogo que a água fervia. Ficou olhando pela janela sem conseguir respirar, não conseguia olhar para os próprias mãos com ferida aberta.

Sentou com uma xícara de café sem açucar e acendeu outro cigarro. Não havia o que pensar, qualquer pensamento resumiria-se a dor, tristeza e arrependimento.

Sem fazer barulho, pegou tudo que era seu, pouco ali era realmente seu, talvez nem ela fosse dela.

Despediu-se dos cachorros, entrou no carro e foi embora.

Dirigiu pela cidade amanhecida. O calor era já insuportável e a claridade incomodava os olhos inchados.

No primeiro sinal vermelho parou e pensou que não tinha realmente para onde ir. Encostou a testa no volante e voltou a chorar, talvez não tivesse parado. O carro atrás buzinou. Por um segundo pensou em voltar, mas não queria voltar para aquela casa, queria voltar para algo que nunca existiu, algo que era só sonho. Engatou primeira, abriu as janelas, respirou fundo. Pensou que há tempos não respirava, sozinha. Seguiu sem rumo, mas foi em frente.

Sabia que a dor só estava começando, mas iria usá-la para acordar e não fugir.

11 comentários:

Anônimo disse...

um pouco previsível, mas está muito bom! e a aula? postando essa hora!!! beijunda. S.Farias

ps: no início pensei que era do Sarsa, ao seu estilo.

Anônimo disse...

Pois é Farias, estilo corta-pulso;;;Aquele sal na lingua de onem esta justificado.

Apenas espero que ela não entre no circulo de abstinência do colega.

André

Anônimo disse...

Maria, bem vindo ao Luto!

Você, como sensata que é, ira respeitá-lo.

Senão,... a vida cobra mais tarde

Bela confissão

Parabéns

Prata

Marcio disse...

Uau Magé, forte isso hein? dá pra ver a coragem por trás da dor da personagem.

Muito bom, não só o quê, mas o como você escreve, gostei mesmo!

Maria Angélica Davi Costa disse...

Farias, escrevi no onibus, postei no intervalo.
Bom, lembrar tão nobre autor como Sarsa, so agradeço!!
Andre, sal eh para pressão baixa.

Ah, o luto...


Marcio, obrigada, adorei escrever!! Bom q vc gostou de ler!

Marcio disse...

Não por isso. Vamos tentando ver o que está por detrás do óbvio, não é?
Firma o pé.

Hemerson disse...

O começo me lembrou Saramago.O lance da cegueira.
Hemerson

Marcio disse...

eu também, hemers!

Maria Angélica Davi Costa disse...

Previsível foi, mas o jeito de escrever que eu tentei fazer melhor....
Mas Saramago, poxa vida....agora que estou lendo Caim perigo eu parar de escrever de vergonha.

Alê Marques disse...

MUito bom mesmo!!
A personagem pulsa no texto,mesmo ela interpretando um anti climax de uma viagem. Gostei !!

el Samu disse...

também gostei. a alacridade fúnebre do texto - curto - impressiona.