sexta-feira, novembro 13, 2009

A Língua, a Pena e a Tinta


O aço é aquecido até tornar-se rubro. Então, violentamente é esfriado na água, e se possuir carbono o suficiente, adquire têmpera. Passa a possuir mais resitência mecânica, mantém com mais vontade as suas partículas agregadas. É um processo quase mítico, antigo com enfiar uma espada afiada no bucho do rival (na guerra, no jogo ou no amor).

Têmpera também é a pintura na qual a tinta é produzida no momento de ser usada. Normalmente é preparada com gema de ovo, apenas o líquido, que por sua constituição química é um aglutinante excelente para fixar os pigmentos coloridos na tela, de madeira ou de pano. Pois possui estabilizantes naturais, como a lecitina, e não amarela com o tempo, podendo durar séculos se bem conservada. Diferenciou-se da encáustica, a técnica de pintura dos gregos e romanos, que era feita com cera e precisava manter-se aquecida durante a pintura, pela praticidade de dispensar o uso do fogo. Tornou-se a técnica universal de pintura de retábulos, retratos e cenas religiosas, o verdadeiro "Windows" da Idade Média (com o perdão da grosseria), até ser substituída pelo óleo de linhaça. Para pintar o artista-artesão seguia uma "receita culinária" de ingredientes e procedimentos para garantir a qualidade do médium. Temperar e preparar tem a mesma origem latina, e por analogia, o pintor estaria a temperar a sua tinta, assim como o cozinheiro prepara uma refeição.

Penso em qual dessas imagem estaria lastreado o significado de Temperamento, essa nota média do conjunto de características do comportamento, meu ou do meu cachorro. Seria na firmeza constante do aço temperado, na sua resitência a se moldar, a se dobrar, a manter-se sempre o mesmo? Salvo engano, conheço a expressão "têmpera de caráter", o que sugere sem dúvidas a imagem da personalidade inflexível. Ou uma sugestão exatamente oposta, a da preparação cuidadosa da própria personalidade, através do tempo, através da experiência, de si ou de outrem. O que me intriga não é de modo nenhum saber certamente a etmologia da palavra, mas as retorquidas voltas que ela dá ao longo do tempo e do espaço até chegar a nós.

Imagem trecho do livro "Il libro dell'arte: Trattato della pittura" do italiano Cennino Cennini, século XV

9 comentários:

Anônimo disse...

Tinha prometido, para mim, que não iria mais comentar, mas esse, com perdão da palavra, ficou do caralho!

S. Maia

Marcio disse...

tradução (precaríssima) do texto da imagem:

O Fundamento da Arte e de todos os trabalhos manuais é o Desenho e a Cor. Essas duas partes se resumem nisso que é: saber triturar, ou moer, revestir, engessar, e raspar o gesso, e polir, dar acabamento, [...] cobrir com ouro, brunir, temperar, [...], transformar em pó, raspar, lixar, granar, {...] recortar, colorir, adornar, invernizar em madeira....
Trabalhar em parede, banhar, esmaltar, decorar, polir, desenhar, colorir à fresco, finalizar a seco, temperar, adornar, finalizar na parede. E essas são as regras previstas, pelas quais aprendi esse pouco saber, e declaro de parte a parte.

Anônimo disse...

uma aula de arte e de outras coisas do temperamento..valeu gordura...inté.
S. Farias

Hemerson disse...

Meu caro,

a síntese das aulas técnicas da ETEP que vc desfila de sunga rosa e (tempera, revenimento, levar ao forno aos 900).
Tempo bom em meu caro. Mais a soma dos quadros, dois quais um a Leila ficou com medo e precisei para para frente e vc ficou contente porque causou impacto.
Quantas coisas na mente , fácil não meu irmão a históricidade do aço , do seu tratamento, das tintas e da nossa dureza de coração.
Abração.

Alê Marques disse...

Porra meu velho, mas que precisão cirurgica hein??
Mas tomando a metafora do processo de tempera do aço, (que pelo menos é o que estou um pouco mais familiarizado pelos meus parcos estudos em maetalurgia)Lembro-me que quando aumentamos a sua dureza ele também pode se tornar mais quebradiço.
Isso não aconteceria também na busca dessa tempera de carater? Na busca de cada vez se tornar mais duro e inflexivel acabar se quebrando?
depois da têmpera só mesmo o tempo do revinimento para realinhar as moléculas, como vc bem colocou: "através do tempo, através da experiência, de si ou de outrem" Este pra mim é o revinimento
Essa foi no ângulo!!

Marcio disse...

pois é hemerson, desde que eu conheci a têmpera-pintura, sempre fiquei curioso. o que será que uma coisa teria a ver com outra?

Alê, o lance é o revenimento mesmo. tem até um termo que esse pessoal que cuida do manejo de RH gosta de usar, que é resiliência, que seria a capacidade da pessoa de tomar porrada e não quebrar. vem da metalurgia isso também.

Farias, aula nada, aqui eu só aprendo. Sm, que bom que vc ainda tá por perto.

Maria Angélica Davi Costa disse...

Eu so acho que o carater não muda. Sou da galera do Piaget nessa, mas...porem, todavia, entretando, contudo acredito que aprendemos com erros e isso mostra nossa evolução.

De fundição de metais entendo do cadinho!! Conheço a forja e a bigorna. Mas se bate demais, transpira-se demais e o resultado nem sempre eh o esperado. Vale a pena?

Lindo texto, a cara de cada um fica tão evidente assim, não?

Luciana Bertarelli disse...

Que interessante, nunca tinha pensado nessas relações...

Anônimo disse...

Continuasse não comentando S.Maia..

Todos sabem do potencial de escrita do Marcio..Veja os outros coments,

Seja um menininho bonzinho e cumpra o que vc prometeu a vc mesmo, ta bom?

André