terça-feira, novembro 03, 2009

Pântano da Desordem

Assisti esses dias ao filme “Distrito 9”. Para mim não tem os atrativos de um grande filme, mas o argumento é pra lá de interessante: alienígenas perdidos na terra, na sui generis situação de refugiados, abrigados precariamente em plena Joanesburgo, África do Sul. Seria o caso de um tratamento desumano, ou sub-humano? Como tratamos os diferentes, como o diferente é parecido comigo.
À parte essas divagações éticas, uma coisa que fica em segundo plano no enredo me fez pensar sobre Arte e Ciência (essas coisas que todo mundo acha que sabe o que é). Num momento inesperado aquele objeto imenso e desconhecido, surgido do nada, paira sobre a cidade e passa a fazer parte da sua paisagem. Santo apocalipse, Batman, o que será isso? Um observador que o vê de um ponto situado bem abaixo dele, em solo, cria um juízo sobre aquilo baseado no que vê: um imenso objeto circular que lhe tapa o céu. Outro observador, à distância de alguns quilômetros, olha na direção do horizonte e vê uma forma completamente diferente: algo parecido com um pião ou pêndulo, suspenso sobre a cidade; lhe parece que está muito mais próximo do topo dos prédios que o primeiro poderia julgar. Já um terceiro, observando-o de perto a bordo de um helicóptero, sequer teria idéia da forma que o objeto possui. No entanto, poderia descrever estruturas, mecanismos externos e se julgaria capaz até de identificar de que material é construído (esse deve ser militar, muito provavelmente).
Em um artigo sobre as relações entre Arte e Ciência, tratadas como diferentes formas de conhecimento, Julio Plaza diz que “a pesquisa [científica] tem um compromisso com a verdade (relação signo-objeto)”. No caso dos nossos observadores de Joanesburgo, a atitude científica para se descobrir do que se trata tal objeto desconhecido seria cruzar os pontos de vista dos três, e de quantos mais fosse possível, para se chegar a um juízo mais próximo da verdade. Quanto maior o número de fontes de informação diferentes, menor o grau de subjetividade, maior o rigor da conclusão.
Já a atitude artística faz o caminho inverso. Aí não se trata da quantidade de informação mas do modo (“As Artes não têm método, têm modo.” P. Valéry) como ela é apresentada. Tudo que escapa ao método científico, por que subjetivo demais, pode ser o assunto da procura artística. O Medo, o Apaixonante, as Angústias, o Incerto... e o seu compromisso não é aproximar-se da verdade (no máximo pode passar pela verossimilhança, algo também facultativo) mas em como faz o que faz, em que grau nos sensibiliza, em qual grau nos convence. (Convencer de que é relevante, não de que é verdadeiro).
O método científico nos levou aos confins do átomo e suas ínfimas estruturas corpusculares. Aquelas que quando ouvimos a descrição de seus estranhos comportamentos nos perguntamos se isso é “Jornada nas Estrelas” ou o quê? No entanto, ao se debruçar sobre uma questão cotidiana, universal e antiga como o Amor, por exemplo, o rigor científico não consegue ir muito além de apontar uma região no cérebro com aumento de atividade, e benefícios metabólicos. A subjetividade, o sensível, o particular, o individual, a imprecisão fértil da memória, são assuntos que as artes têm uma relação mais amistosa e produtiva, digamos. Por permitir um modo de abordar os assuntos particular e maleável, elas são capazes de extrair desse pântano da desordem algo de enriquecedor ao conhecimento humano.
O curioso disso tudo é que mesmo com essas diferenças de método e de modo Arte e Ciência não trilham caminhos paralelos, mas chegam a possuir aqui e ali, sob um olhar mais atento, muitos pontos de intersecção e de interesses comuns. Seria preciso uma enciclopédia inteira para citar os exemplos de comunhão entre elas apenas do Renascimento para cá. Mas retomando o exemplo inicial do filme, o quanto a ficção científica, de Julio Verne até “Matrix”, trançou em uma mesma corda linhas científicas e artísticas.
Uma obra artística, simples como um desenho, ou uma pesquisa científica, complexa como as novas teorias que tentam explicar o universo, são maneiras de nos aproximarmos mais da complexidade do Ser Humano, do Mundo e das relações de um com o outro. Tanto uma coisa como outra é uma forma do conhecimento.

3 comentários:

Anônimo disse...

Manda chuva,

Acredito que, como fonte histórica
a "espaçonave",dentro da visão dos três é algo desconhecido, pois um objeto só pode ter credibilidade a partir do momento que pode ser comparado com outro objeto da mesma "época", exceto numa descoberta científica, é claro. Que não é o caso da "espaçonave"

Mas sobre a arte, por não ter como objetivo a verdade, torna-se muita rica, pois não há regras, estamemtos e afins, fazendo que "muitos pessoas" de alguma maneira se identifique com a obra, sendo ela a literatura , a pintura, o grafite, ...
Pois foge da "erudição", da ABNT...

Embora alguns artistas usam de tanta subjetividade, que torna suas obras herméticas, aí ninguém entende nada. Que para mim também as vezes é um problema.


Abraços

PrataPreta

Maria Angélica Davi Costa disse...

Alguns comentário:
1. A Física tbém não é uma Arte? Existe uma foto do átomo tal qual o desenho do mesmo nos livros de Ciências? Ou seria aquilo Arte?
2. E a Física Quantica? Na minha visão pequena é sim Arte, porém, que saberei eu que sou só uma professora e não Mestre como o autor do post.
3. O filme em questão, produzido por um dos meus ídolos(sim, sim, Fellini que me desculpe, mas o cinema é arte, mas bem diferente do que um dia foi) fala de seres extraterrestres sim, porém, ..., faz uma pequenino manisfesto sobre política, apartheid e segregação.
Trabalhando eu com a nova geração que não escuta o Plantão da Globo com notícias de arma nuclear, não crescendo com guerras, a linguaguem de tal obra totalmente ficticia não poderia auxiliar a explicação do que o medo?

Ou não?

Anônimo disse...

gordura na veia!! dissecar isso aqui sim valoriza nosso espaço.
Samuel Farias